Everardo de Andrade

Monday, January 29, 2007

BOM DIA, ANDRAL, BOA NOITE, ANDRAL

“Bem podemos dizer que é para o branco que vai o tempo
e que o mundo nos seus derradeiros dias, extinguida a vida,
é uma enorme cabeça branca varrida pelo vento”
(Saramago, Adapt.)

Certamente ele havia percebido minha dissimulada oferta que transformava o favor pretendido em voluntária contribuição ou favor de mão inglesa, mas britanicamente, como sempre, não quis me expor diante daquilo que na verdade eu era intensamente: um pai aflito. Sustentou aquela pequena pausa entre a última sílaba ouvida com atenção e cuidado, como sempre, e as primeiras palavras pronunciadas e espaçadas por timidez, baixando ligeiramente o olhar, como se não soubesse o que sabia e estava prestes a dizer. – Sem problema!

Acho que foi sobretudo a partir desse breve momento, desse instante de seda quando um pai pede algo para seu filho no ambiente de trabalho, cheio de constrangimento e a despeito das milhares de justificativas, todas inúteis, que me tornei cúmplice, essa espécie enviezada de amigo, se me permitem, de Andral Tavares. Desde então me animei invariavelmente a caminhar alguns passos a mais sempre que o via, para provocar o encontro e dizer com gosto Bom dia, Andral, Boa noite, Andral, quem sabe esticar uma rápida conversa pelos corredores sempre cheios da Fafic.

Não saberia traçar sua biografia com a objetividade naturalmente requerida pelas normas que o gênero impõe e exige, senão aquelas de profunda simpatia e afeto, logo subjetivas. Nem se trata aqui, a bem dizer, de uma biografia que ele por certo não autorizaria, por modéstia, embora bem o merecesse, e sua história de vida confundindo-se em parte com a história da comunicação e do rádio em Campos inevitavelmente há de impor-se em alentadas pesquisas acadêmicas restauradoras e sérias. Ajeitem as lentes, candidatos a mestres e doutores, mais um capítulo dessa história houve por encerrar.

Porém mais do que tudo, talvez, olhei Andral com olhos diversos do comum olhar quando descobri seus filhos, numa qualquer manhã de sábado em que o trabalho extraordinariamente se impunha ao descanso, ou porque imerecido este em minha pobre rotina, ou ainda por ter o Criador, cuja obra inspira o calendário, descansado de fato um único e exclusivo dia na semana, não importando seu nome, se sábado, se domingo. O certo porém é que conheci o filho e as três filhas de Andral naquela pós-graduação de Docência do ensino superior e, pelo que se sabe e sabendo se diz, vendo os filhos se há de conhecer bem o pai.

Seria meia verdade apenas dizer-se que para os pais um filho não haveria nunca de crescer e mesmo crescendo não perderia jamais aquela significação de filial atributo, ainda que não lhe seja interditado opor toda maturidade do caráter que lentamente constrói a esta e a muitas mais leis ditas da natureza? Posto que não só dos pais isto depende, senão que também do filho na lenta confirmação de si, mediada embora pela herança e cultivada relação de afeto. Andral viu em vida crescer o filho e, como os antigos sábios traziam no próprio nome o lugar que lhes acolhia e proporcionava alimento às raízes, haveria também ele, o filho, de referenciar seu nome à origem paterna, humildemente acolhendo sem renúncia a alcunha no diminutivo, mas sem decréscimo, de Andral.

Tudo isso tem importância agora, naturalmente, que Andral não mais está entre nós. Não está de corpo, bem entendido, e ainda assim não há de faltar quem acredite, apoiando-se retoricamente na física quântica que, disseminada pelos espaços que freqüentou e armazenada nas emoções a que deu causa, sua energia alterne ora retornando à matéria, ora voltando ao estado de energia e transitando entre repouso e movimento, lá e cá até ao infinito, pelo que, então, ele está e não está entre nós de corpo como de energia.

Talvez por isso não me falte esperança, sem ansiedade ou sofrimento, neste ou em outro qualquer regresso à Fafic, num dia tenso de chumbo em que as coisas estiverem demandando suavidade e leveza, ou numa noite tranqüila em que simplesmente se converse palavras soltas de algodão, de que assome Andral do nada ou da energia que o nada contém, ou da brancura de seus próprios cabelos posto que se, como afirma Saramago, É para o branco que vai o tempo, será então dele também que voltamos, não me falta esperança, eu dizia, de que assome Andral fazendo retirar de nós, em voz uníssona, a corrente saudação:

– Bom dia, Andral, boa noite, Andral!

Tuesday, November 28, 2006

AOS FORMANDOS DE 2006 E SEUS PLANOS DE VÔO

Ano da graça de dois mil e seis: o mais pesado que o ar voou faz cem anos. Nem parece que o Leão do Anglo habita os Campos dos Goytacazes há dez anos! Reunindo essas duas memórias em um só plano de vôo, celebramos o primeiro ano de vida do Colégio Santos Dumont. Tudo coincidência ou algo de bom conspira em favor de tripulantes e passageiros?

Uma década de experiência com o Anglo em Campos nos ensinou que, mais do que esperança, devemos ter fé no futuro. O mesmo futuro que já começou para a bela turma de Formandos de 2006. Dela sairão, com toda certeza, professores, médicos, engenheiros, advogados, mas sobretudo cidadãos comprometidos com a (re)construção do Brasil.

Aliás, nós do Colégio Santos Dumont / Anglo Campos e da Associação Mantenedora, que lembra o nome do saudoso educador Clóvis Tavares, estamos convencidos de que, como se não bastasse lançar as bases da preparação de futuros profissionais, a Educação Escolar tem por finalidade maior a transmissão e a perenização da cultura e da própria sociedade.

E ainda mais: acreditamos que seja possível melhorar o mundo ou, pelo menos, lutar por um mundo melhor para todos. Um mundo onde nossa felicidade pessoal não seja um acinte diante do sofrimento de muitos. Por tudo isso, finalmente, é que não hesitamos em desejar aos nossos Formandos de 2006 toda felicidade e todo sucesso do mundo!

Wednesday, November 15, 2006

CADERNOS DA FAFIC (CINCO)

Sobre o Conceito de Cultura Escolar

A idéia de que a Escola produz uma cultura sui generis, dotada de dinâmica própria, que se relaciona de forma complexa com outras dinâmicas culturais igualmente particulares (as culturas erudita, popular, de massa, de grupos etc) no âmbito da cultura em geral da sociedade global, é uma construção relativamente recente no debate educacional. Filia-se ao desenvolvimento das teorias do currículo postas em circulação a partir dos primeiros anos da década de 1960, na Grã-Bretanha, sobre o pano de fundo da problemática das relações entre educação e cultura, como decorrência das dimensões e implicações culturais dos processos de escolarização na sociedade atual.

Num trabalho produzido na segunda metade dos anos oitenta, somente publicado no Brasil nos primeiros anos da década seguinte, Forquin (1993) propõe situar o currículo no contexto dessa problemática das relações entre educação e cultura, considerando o seguinte paradoxo: a transmissão da cultura, por um lado, tendo em vista sua conservação como patrimônio e herança passada de geração em geração, constituindo a justificativa fundamental de todo o empreendimento educacional, encontra-se confrontada, por outro lado, pela impossibilidade atual da cultura, cada vez mais “pletórica e inconsistente” (p. 10), de fornecer legitimidade para a coisa ensinada, sobretudo a partir do “discurso de deslegitimação” (p. 10) fortalecido pelas ciências sociais a partir dos anos setenta.

Em um nível mais geral e global de determinação, educação e cultura aparecem aqui como faces recíprocas e complementares de uma mesma realidade. Se a cultura (como experiência humana) consiste no que "nos excede, nos ultrapassa e nos institui como sujeitos humanos” (p. 10), então ela deve constituir o conteúdo substancial da educação, sua fonte e sua justificativa última. Mas é a educação, em sua função de transmissão e de perpetuação da cultura (como experiência humana), que permite que ela se realize como memória viva e como continuidade de nossa existência individual e coletiva.

Não obstante, nesse nível extremo de generalidade e de globalidade, a cultura simplesmente não existe em lugar algum. O entendimento da experiência humana, considerado na ordem da realidade concreta, exige um tratamento que consiste em matizar e especificar o conceito de cultura. E ainda assim, quer se considere a cultura global e geral, ou mesmo uma cultura particular tomada em sua totalidade (embora matizada e especificada), sua transmissão enquanto tal – finalidade e justificativa última do empreendimento educacional – constitui uma impossibilidade tanto virtual quanto real. A rigor, a educação não transmite a cultura, nem mesmo uma cultura, mas algo da cultura (p. 15).

Nesse sentido, então, a primeira condição de possibilidade da educação concebida como transmissão cultural consiste em admitir a exigência de uma seleção cultural. De fato, é a escola (mesmo quando se presume que seja para a escola) que se encarrega desse processo de seleção tanto sobre a herança do passado, definindo o que se conserva ou o que se abandona e rejeita por “esquecimento ativo” (p. 15), quanto sobre a experiência coletiva viva, no presente, estabelecendo o que incluir e o que excluir, segundo critérios variáveis e contraditórios. Trata-se, portanto, de decidir o que é que pode ser considerado como tendo um valor educativo ou uma pertinência social suficientemente forte para justificar todos os gastos com tal empreendimento...

A seleção cultural escolar (p. 15), embora condição necessária, é ainda insuficiente para permitir a transmissão que justifica e legitima a educação: exige-se, ainda e em seguida, a transformação dos materiais selecionados em materiais transmissíveis e assimiláveis, mediante processos de reorganização, reestruturação e transposição didática, envolvendo, por sua vez, a intervenção de dispositivos mediadores. Resulta daí a produção de configurações cognitivas escolares, estas sim, sui generis, com dinâmica própria e capaz de transcender o papel específico que lhes é reservado, bem como seus limites escolares. De fato, a cultura escolar constitui algo mais do que mera reprodução da cultura dominante ou do que simples expressão do interesse de grupos sociais.

A cultura escolar ou, por outra, tais configurações cognitivas escolares resultantes tanto da seleção quanto da transformação de elementos da cultura, possuem ainda autonomia relativa e força cultural suficiente para interagir mesmo com dimensões da cultura que se considera, por vezes, que lhes deram origem[1]. Assim, por exemplo, pode-se considerar que é, talvez, por influência da História Ensinada que o tempo histórico permanece como eixo ordenador da história, tanto em relação ao conhecimento das sociedades quanto no âmbito da história de vida; ou que é a Biologia Escolar que mais poderosamente contribui para o esforço de unificação dos diversos campos da Biologia numa ciência única.

Estaremos já em condições, então, de acompanhar Forquin (1993), senão em sua concepção stricto sensu, ao menos na ênfase lato sensu que seus argumentos emprestam ao conceito de currículo? Se o debate anglo-saxão acerca do currículo inclui, por um lado, trabalhos que se ligam “ao estudo dos fatores e determinantes extra-escolares da educação escolar (a família, os meios de comunicação, a estrutura econômica e social)” (p. 22), o interesse do autor aponta, sobretudo, para o outro lado desse debate, contemplando estudos centrados “mais na própria escola, nos processos de ensino, nos conteúdos dos programas, nos modos de estruturação, de legitimação, de transmissão da ‘cultura escolar’” (p. 22).

Ou seja, o objeto principal da abordagem (ou da ênfase) dos estudos curriculares de Forquin (1993) – uma abordagem em termos de cultura ou uma abordagem “via conteúdos” (p. 24) – parece situar-se naquilo que se expressa pelo conceito de cultura escolar. Mais do que objetos ou programas escolares, de fato, o currículo constitui “uma abordagem global dos fenômenos educativos, uma maneira de pensar a educação, que consiste em privilegiar a questão dos conteúdos e a forma como esses conteúdos se organizam nos cursos” (p. 22). Ou ainda, dizendo de outro modo, “uma teoria do currículo é uma teoria da educação considerada como empreendimento de transmissão cognitiva e cultural” (p. 24).

Finalmente, a idéia de currículo em Forquin, central para sua concepção de educação, partindo de uma abordagem cultural focada na transmissão da cultura e nos conteúdos dessa transmissão, traz para o centro do debate educacional o conceito de cultura escolar. Situada no centro da problemática das relações entre educação e cultura, confrontada por todos os lados pela insistente e paradoxal “tradição do novo” (p. 19), interpelada permanentemente pelo ritmo veloz das transformações no mundo vivido e na diferentes maneiras de concebê-lo, até quando a cultura escolar encontrará legitimidade ao mesmo tempo em que contribuirá para a continuidade e a perpetuação desse mesmo e velho e único mundo em que vivemos?

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 206 p.

[1] Talvez se encontre aqui elementos para esboçar um questionamento ao conceito de transposição didática, de Yves Chevalard, e sua concepção restrita de disciplina escolar. Na verdade, derivando os conteúdos constitutivos da disciplina escolar do saber sábio, com ênfase em sua didática específica, Chevalard parece desconsiderar não só a totalidade da cultura sobre a qual a escola seleciona, mas também as relações complexas e de mão dupla entre a cultura escolar e aquelas diferentes dinâmicas culturais de que trata Forquin.

Wednesday, November 08, 2006

CADERNOS DA FAFIC (QUATRO)

Pesquisa & Ensino: um diálogo necessário

I – Introdução: a Licenciatura e o diálogo entre diferenças
01. Estamos iniciando o I Seminário de Iniciação Científica no Curso de Licenciatura em História da Fafic, momento mais do que oportuno para refletir sobre o diálogo entre o Ensino e a Pesquisa. Afinal, mais do que qualquer outro curso, a Licenciatura precisa desse diálogo, por um lado porque, sendo um curso universitário, deve ter Pesquisa e, por outro lado, porque forma professores para o Ensino na Educação Básica.
02. No próprio título deste texto, a palavra “diálogo”, por oposição a “monólogo”, pressupõe uma diferença entre duas coisas: Pesquisa, de um lado, e Ensino, de outro. Mas o diálogo instaura não uma diferença que separa e afasta, mas uma diferença que aproxima e articula. Ou melhor, o diálogo faz com que duas coisas diferentes possam ser consideradas como complementares.

II – O que é a Pesquisa?
03. A palavra vem do verbo “perquiro”, em latim, que quer dizer procurar, buscar, mas uma procura ou uma busca feita com cuidado e com profundidade. Procurar com cuidado quer dizer “com método”; procurar com profundidade quer dizer “com teoria”. Não pode haver pesquisa sem método e sem teoria.
04. No dia-a-dia, são quase infinitos os exemplos rudimentares de pesquisa. Neles o método e a teoria são tão simples e corriqueiros que até parecem não existir. Quando procuramos uma bermuda na loja ou escolhemos laranja na quitanda; quando procuramos uma faculdade para estudar ou um livro para ler... Em cada caso, temos idéias sobre o que queremos e elas devem ser confrontadas com as coisas que encontramos.
05. Mas a pesquisa de verdade, ou melhor, a pesquisa acadêmica ou científica, de que tratamos aqui, é outra coisa. Ela tem um objetivo indeclinável que é obter um conhecimento específico e estruturado, fazendo avançar um assunto ou um tema preciso. Por isso mesmo, a pesquisa é o fundamento de toda ciência: se não houve avanço é porque não houve pesquisa; se não houve pesquisa, não é ciência.
06. Dentre tantas razões que justificam a Pesquisa, podemos destacar sua importância por pelo menos quatro motivos: para o desenvolvimento da ciência, para o avanço tecnológico, para o enriquecimento da cultura e para o progresso intelectual do indivíduo.
07. Finalmente, fazer Pesquisa significa percorrer três passos essenciais: preparar o Projeto (o que pesquisar, como, por que, para que e em quanto tempo), empreender a Coleta de Dados (recolher, mas às vezes produzir e também processar os dados) e elaborar o Produto Final (analisar os dados, construir as idéias e os argumentos, além de redigir o texto).

III – O que é o Ensino?
08. Para ficarmos com uma resposta corrente: ensino é transmissão de conhecimento. Mas não uma transmissão mecânica ou automática, onde uma fonte emite e um receptáculo recebe a informação; nem mesmo um processo comum de comunicação, pelo qual se transmite uma mensagem qualquer.
09. Ensino, pois, é transmissão, mas uma transmissão didática de conhecimento porque apresenta três peculiaridades:
a) é intencional, ou seja, parte da decisão de produzir a aprendizagem de outrem, reconhecendo, portanto, a existência de dois sujeitos distintos: um que ensina e outro que aprende;
b) é processual, ou melhor, reconhece a distância entre intenção e gesto ou entre a decisão de ensinar e o resultado de aprender: entre um e outro, é importante considerar o que e o como ensinar / aprender;
c) é educativo, isto é, além da instrução ou da informação sobre conteúdos conceituais, envolve também a educação ou a formação sobre atitudes e valores.
10. Finalmente, embora pareça quase óbvio, é possível dizer que o Ensino é importante em pelo menos dois sentidos: primeiro, porque é condição de acesso ao conhecimento socialmente produzido e acumulado; segundo, porque é cada vez mais indispensável ao convívio e às relações humanas nas sociedades letradas do mundo contemporâneo.

IV – Conclusão: os Professores e o diálogo entre complementares
11. Saviani ensina que, embora diferentes, não é possível haver Pesquisa sem Ensino: se a Pesquisa é a incursão no desconhecido e o desconhecido só se define pelo contraste com o conhecido, é o Ensino que permite o acesso ao conhecido (ou aos conhecimentos já existentes).
12. Saviani também ensina que o desconhecido não é aquilo que individualmente se desconhece, mas o que a sociedade globalmente não conhece. O conhecido, por outro lado, só se torna socialmente conhecido pela força socializadora do Ensino.
13. Enfim, se a Pesquisa cumpre a missão essencial de permitir a descoberta de conhecimentos socialmente novos, o Ensino tanto é pré-requisito (a plataforma de onde se salta do conhecido em direção ao desconhecido), quanto é condição para a socialização dos novos conhecimentos.
14. Se o Professor – que a Licenciatura pretende formar – é o sujeito do Ensino, ele não pode deixar de participar desse diálogo com a Pesquisa. Mas qual Pesquisa interessa mais de perto aos Professores? Bem, essa é uma outra conversa...

Thursday, November 02, 2006

CADERNOS DA FAFIC (TRÊS)

Buscando uma articulação curricular entre as Práticas Pedagógicas nas licenciaturas da Fafic

Grupo de Estudos:
Everardo Paiva de Andrade
Neila Ferraz Moreira Nunes
Marcele Xavier Torres


I – Objetivos deste estudo

01. Pensar articuladamente a Prática como Componente Curricular (PCCC) ou as Práticas Pedagógicas (PPs), em termos quantitativos e qualitativos, para o conjunto das licenciaturas da Fafic.

02. Viabilizar a construção de um núcleo comum de PCCC ou PPs nessas licenciaturas, durante o ciclo inicial de formação, com duração de dois anos, incluindo os primeiros quatro períodos dos cursos.

OBS: Note-se que PPs e PCCC referem-se a um mesmo componente curricular.

II – Estado atual: distribuição e carga horária das PPs

PP1: 54h (AV), 36h (H), 54h (L), 36h (P)
PP2: 72h (AV), 72h (H), 54h (L), 36h (P)
PP3: 72h (AV), 36h (H), 54h (L), 36h (P)
PP4: 72h (AV), 54h (H), 72h (L), 36h (P)
PP5: 72h (AV), 72h (H), 54h (L), 54h (P)
PP6: 72h (AV), 72h (H), 72h (L), 54h (P)
PP7: ---------, 72h (H), 54h (L), 54h (P)
PP8: ---------, --------, -------, 36h (P)
TOTAL: 414h (AV), 414h (H), 414h (L), 342h (P)

OBS: AV=Artes Visuais; H=História; L=Letras; P=Pdagogia.

III – Análise quantitativa:distribuição irregular das PPs

01. Convergência da maioria dos cursos, fixando em 414 horas as Práticas Pedagógicas (PPs), ligeiramente superior ao mínimo de 400 horas de Prática como Componente Curricular (PCCC), exigido pela legislação.

02. Apenas o Curso de Pedagogia não tem o total de 414 horas de Prática Pedagógica (PP) no seu currículo. Além disso, não tem também o mínimo legal de 400 horas de Prática como Componente Curricular (PCCC).

03. Embora não haja imposição normativa acerca da distribuição da PCCC ou das PPs (400 ou 414 horas) pelos diferentes cursos e períodos, observa-se uma grande irregularidade nessa distribuição:

· Varia a duração global dos cursos. Ex: 6 (AV), 7 (H e L) ou 8 (P) períodos;
· Varia a distribuição das PPs pelos períodos, provavelmente refletindo problemas e soluções particulares na montagem da matriz curricular de cada curso (oscilando entre 2, 3 ou 4 horas-aula). Ex: História = 36h+72h+36h+54h+72h+72h+72h;
· Varia a distribuição das PPs de um para outro curso, fazendo com que não haja coincidência de suas respectivas cargas horárias em um mesmo período, nos diversos cursos. Ex: PP2 = 72h em AV e H, 54h em L e 36h em P.

04. A construção do núcleo comum das PPs no ciclo inicial de formação exigiria um controle maior sobre sua distribuição, envolvendo sobretudo PP1, PP2, PP3 e PP4.

IV – Análise qualitativa: em direção a ementas comuns

01. O quadro acima nada diz sobre o que propositivamente deveria ser ou sobre o que efetivamente vem sendo trabalhado em cada uma das PPs. Esta análise, portanto, sugere possibilidades e alternativas.

02. A idéia geral é de que as PPs possam proporcionar aos licenciandos um primeiro contato crítico-reflexivo com as ferramentas da profissão, iniciando o processo de construção de sua identidade profissional. Tal identidade não é independente, de forma alguma, da área específica de conhecimento em que se forma: além de ser um professor, em geral, ele também será sempre um professor de alguma coisa.

03. Assim, as quatro PPs poderiam acompanhar o seguinte desdobramento lógico e epistemológico:

· PP1: O professor, a docência e o ensino.
· PP2: O ensino de... Uma introdução às diferentes tradições de ensino nas áreas específicas.
· PP3: Produção e avaliação de materiais didáticos.
· PP4: Metodologia e produção de saberes: os saberes acadêmico-científicos, os saberes escolares e os saberes profissionais docentes.

04. A reunião de diferentes cursos numa única turma, em cada uma dessas práticas, embora de difícil condução, não caracteriza uma impossibilidade de fato. Nesse caso, o formador deveria assumir o papel de orientador das pesquisas dos grupos de alunos. Além disso, as turmas não poderiam ser muito grandes, o que poderia tornar o trabalho, senão impossível, muito pouco produtivo.

05. A partir do 5º Período, as PPs assumem contornos mais particulares, envolvendo problemas do ensino de conteúdos específicos. Podem originar aí os verdadeiros laboratórios de ensino dedicados à preparação de planos, aulas, atividades, avaliações etc, mas sempre a partir de conteúdos concretos de cada área. Exigiria, por isso mesmo, o domínio desses conteúdos por parte do formador responsável por elas.

06. As PPs devem ser organizadas em íntima conexão com a escola. Definitivamente, a escola e seus profissionais devem ser chamados a participar da formação dos futuros professores, e não apenas como campo de aplicação, mas como fontes produtoras de conhecimentos que não estão disponíveis em nenhum outro lugar.

Friday, October 06, 2006

CADERNOS DA FAFIC (DOIS)

Sobre o conceito de transposição didática e sua percepção no ensino

O conceito de transposição didática parece trazer uma contribuição positiva para a compreensão da natureza do conhecimento escolar. Particularmente, ele ajuda a compreender o significado específico da disciplina escolar, ainda que contenha um aspecto que não reconhece tão amplamente, como em Chervel, por exemplo, a autonomia desse campo de saber. Como concebê-lo, portanto?

Seu conteúdo parece referir-se a um movimento de transformação que tem sua origem na disciplina ou na ciência de referência (o saber sábio, de Chevalard) e que resulta, na outra ponta no surgimento de um conhecimento escolar. As transformações operadas no saber sábio para que ele se converta em saber escolar ou saber ensinado (melhor seria chamá-lo saber-a-ensinar) processam-se tanto externamente – na noosfera – quanto internamente, no próprio espaço escolar.

Deve-se caracterizá-lo melhor, mas não poderia fazê-lo aqui. Também é necessário questioná-lo na perspectiva de que o conhecimento escolar pode não ter sua origem (e historicamente, pelo menos em alguns casos, Goodson mostrou que de fato não tem) na disciplina ou ciência acadêmica ou ainda no saber sábio, mas nas demandas da escola a fim de responder às exigências impostas a ela pela sociedade, que lhe define a missão (e que, então, para desincumbir-se dela, recolhe conhecimentos e informações tanto na ciência de referência quanto em diversas outras esferas de saber, em especial no conhecimento cotidiano).

A pergunta que interessa aqui, diversamente, diz respeito à capacidade ou à possibilidade de se perceber que se opera na transposição didática, estando situado dentro dela, seja lá em que nível de ensino for. Por exemplo, será possível ao professor de História da educação básica reconhecer que trabalha com uma História específica e diferente da historiografia, denominada História Escolar ou História Ensinada ou ainda Saber Histórico Escolar? Note-se, de passagem, que todas essas denominações não exprimem um mesmo objeto referente.

Por vezes essa questão ocorre para além da educação básica, no ensino de História em nível superior, sobretudo quando existe uma tradição longamente assentada de ensino sem pesquisa, em que, na verdade, ensinam-se conhecimentos de História já elaborados, que devem ser apropriados enquanto tal, sem que se faça necessariamente uma reflexão sobre os procedimentos de produção daqueles conhecimentos, como eles foram produzidos ou como conhecimentos semelhantes poderiam sê-lo. Mais ou menos como ocorre na FAFIC.

Nesse caso, ocorre de o professor tomar o conhecimento objetivado nos livros de História, indiscutivelmente, livros de historiadores (a historiografia, portanto), assimilar esse conhecimento para si, procurar meios de adaptá-los ao processo discursivo ou expositivo, buscando pontos de apoio para sua explicação fora dele mesmo, em esquemas de quadro, em ilustrações, em associações com outros textos ou com outras idéias e, dessa forma, apresentá-los na sala de aula a um grupo de alunos.

O que estaria de fato ocorrendo, nesse caso, prevalecendo as chamadas aulas expositivas? Produção original do conhecimento ou transposição didática para efeito de ensino, mesmo que em nível superior? Uma maneira sutil de perceber esse fenômeno pode ser, talvez, a observação da existência ou não de uma distância entre a teoria referencial utilizada pelo expositor e a informação histórica ou a evidência empírica propriamente dita.

Finalmente, poderíamos também nos perguntar, num exercício de meta-cognição, se o mesmo não estaria ocorrendo com o próprio conceito de transposição didática, ou seja, se não estaríamos também colando o suporte teórico do conceito com o fenômeno objetivo a que ele se refere. Ou seja, até que ponto estamos nos referindo à transposição didática não como um conceito, mas como um dado ou como um objeto da realidade?

Thursday, October 05, 2006

CADERNOS DA FAFIC (UM)

A construção de uma licenciatura em História na FAFIC
(A especificidade do Núcleo Profissional)

Nosso curso sempre se concebeu como um curso de História e ponto. Mas, o que é um curso e ponto? Esta pergunta nunca havia sido verdadeiramente colocada por nós e para nós, seus sujeitos. Quando o foi, na virada da década (do século e do milênio), a resposta foi dolorosamente construída: o que formávamos, professores de História ou historiadores? Respectivamente, curso queria dizer licenciatura ou bacharelado?

Não respondemos verbalmente: iniciamos a construção de uma resposta. E a resposta construída foi a seguinte: formamos professores de História, logo somos uma licenciatura em História. Certo, mas, afinal, em que uma licenciatura em História difere de um bacharelado em História? Construímos a seguinte resposta: difere na sua especificidade.

Qual é a especificidade da licenciatura em História? O núcleo da resposta que começamos a construir (e que ainda se acha em construção) é que uma licenciatura deve contemplar duas dimensões formativas distintas, embora indissociáveis e complementares: por um lado, a dimensão acadêmica; de outro, a dimensão profissional da docência. Isto porque a formação docente ocorre, do ponto de vista institucional, na convergência de três eixos: sujeitos, saberes e práticas; e também porque, do ponto de vista curricular, integra elementos provenientes de três fontes: a universidade, a escola e a docência.

Dimensões, eixos e fontes: na articulação desses elementos vamos construindo nossa resposta particular, explicitando uma concepção acerca da especificidade da licenciatura em História da FAFIC. A dimensão profissional da formação de professores de História integra, basicamente, o estágio e a prática (com seus respectivos sujeitos, saberes e práticas; integrando elementos curriculares da universidade, da escola e da docência).

Como se organiza o estágio no curso de licenciatura em História da FAFIC? O Estágio Curricular Supervisionado de Ensino organiza-se em quatro ações básicas: a prática de ensino, a iniciação à docência, o estágio escolar e o TCC. Como se define a prática nessa licenciatura? A Prática Como Componente Curricular se define como espaço de atividades onde são produzidas as ferramentas essenciais de que se utilizam os professores de história no exercício de sua profissão.

É nesse sentido que organizamos a seqüência de atividades denominadas de práticas pedagógicas, presentes ao longo de todo o curso: I – O ensino e o professor; II – O ensino de História e o professor de História; III – A produção de saberes na escola e na profissão; IV – A produção e a análise crítica de materiais didáticos; V – O local e o regional no trabalho do professor de História; VI, VII e VIII – Os três laboratórios de ensino de História, respectivamente, Antiga e Medieval, Moderna e Contemporânea e Brasil, América e África.

Fora dessa inserção, isto é, consideradas fora dessa dimensão ou desse núcleo profissional da licenciatura em História, as práticas não seriam muito mais do que meros recursos didáticos ou do que reflexões relativamente desconexas relativas ao ofício de professor, ora genericamente considerados (o professor em geral), ora particularmente tratados como professores de História ou como historiadores em atividades de ensino.