Everardo de Andrade

Friday, October 06, 2006

CADERNOS DA FAFIC (DOIS)

Sobre o conceito de transposição didática e sua percepção no ensino

O conceito de transposição didática parece trazer uma contribuição positiva para a compreensão da natureza do conhecimento escolar. Particularmente, ele ajuda a compreender o significado específico da disciplina escolar, ainda que contenha um aspecto que não reconhece tão amplamente, como em Chervel, por exemplo, a autonomia desse campo de saber. Como concebê-lo, portanto?

Seu conteúdo parece referir-se a um movimento de transformação que tem sua origem na disciplina ou na ciência de referência (o saber sábio, de Chevalard) e que resulta, na outra ponta no surgimento de um conhecimento escolar. As transformações operadas no saber sábio para que ele se converta em saber escolar ou saber ensinado (melhor seria chamá-lo saber-a-ensinar) processam-se tanto externamente – na noosfera – quanto internamente, no próprio espaço escolar.

Deve-se caracterizá-lo melhor, mas não poderia fazê-lo aqui. Também é necessário questioná-lo na perspectiva de que o conhecimento escolar pode não ter sua origem (e historicamente, pelo menos em alguns casos, Goodson mostrou que de fato não tem) na disciplina ou ciência acadêmica ou ainda no saber sábio, mas nas demandas da escola a fim de responder às exigências impostas a ela pela sociedade, que lhe define a missão (e que, então, para desincumbir-se dela, recolhe conhecimentos e informações tanto na ciência de referência quanto em diversas outras esferas de saber, em especial no conhecimento cotidiano).

A pergunta que interessa aqui, diversamente, diz respeito à capacidade ou à possibilidade de se perceber que se opera na transposição didática, estando situado dentro dela, seja lá em que nível de ensino for. Por exemplo, será possível ao professor de História da educação básica reconhecer que trabalha com uma História específica e diferente da historiografia, denominada História Escolar ou História Ensinada ou ainda Saber Histórico Escolar? Note-se, de passagem, que todas essas denominações não exprimem um mesmo objeto referente.

Por vezes essa questão ocorre para além da educação básica, no ensino de História em nível superior, sobretudo quando existe uma tradição longamente assentada de ensino sem pesquisa, em que, na verdade, ensinam-se conhecimentos de História já elaborados, que devem ser apropriados enquanto tal, sem que se faça necessariamente uma reflexão sobre os procedimentos de produção daqueles conhecimentos, como eles foram produzidos ou como conhecimentos semelhantes poderiam sê-lo. Mais ou menos como ocorre na FAFIC.

Nesse caso, ocorre de o professor tomar o conhecimento objetivado nos livros de História, indiscutivelmente, livros de historiadores (a historiografia, portanto), assimilar esse conhecimento para si, procurar meios de adaptá-los ao processo discursivo ou expositivo, buscando pontos de apoio para sua explicação fora dele mesmo, em esquemas de quadro, em ilustrações, em associações com outros textos ou com outras idéias e, dessa forma, apresentá-los na sala de aula a um grupo de alunos.

O que estaria de fato ocorrendo, nesse caso, prevalecendo as chamadas aulas expositivas? Produção original do conhecimento ou transposição didática para efeito de ensino, mesmo que em nível superior? Uma maneira sutil de perceber esse fenômeno pode ser, talvez, a observação da existência ou não de uma distância entre a teoria referencial utilizada pelo expositor e a informação histórica ou a evidência empírica propriamente dita.

Finalmente, poderíamos também nos perguntar, num exercício de meta-cognição, se o mesmo não estaria ocorrendo com o próprio conceito de transposição didática, ou seja, se não estaríamos também colando o suporte teórico do conceito com o fenômeno objetivo a que ele se refere. Ou seja, até que ponto estamos nos referindo à transposição didática não como um conceito, mas como um dado ou como um objeto da realidade?

Thursday, October 05, 2006

CADERNOS DA FAFIC (UM)

A construção de uma licenciatura em História na FAFIC
(A especificidade do Núcleo Profissional)

Nosso curso sempre se concebeu como um curso de História e ponto. Mas, o que é um curso e ponto? Esta pergunta nunca havia sido verdadeiramente colocada por nós e para nós, seus sujeitos. Quando o foi, na virada da década (do século e do milênio), a resposta foi dolorosamente construída: o que formávamos, professores de História ou historiadores? Respectivamente, curso queria dizer licenciatura ou bacharelado?

Não respondemos verbalmente: iniciamos a construção de uma resposta. E a resposta construída foi a seguinte: formamos professores de História, logo somos uma licenciatura em História. Certo, mas, afinal, em que uma licenciatura em História difere de um bacharelado em História? Construímos a seguinte resposta: difere na sua especificidade.

Qual é a especificidade da licenciatura em História? O núcleo da resposta que começamos a construir (e que ainda se acha em construção) é que uma licenciatura deve contemplar duas dimensões formativas distintas, embora indissociáveis e complementares: por um lado, a dimensão acadêmica; de outro, a dimensão profissional da docência. Isto porque a formação docente ocorre, do ponto de vista institucional, na convergência de três eixos: sujeitos, saberes e práticas; e também porque, do ponto de vista curricular, integra elementos provenientes de três fontes: a universidade, a escola e a docência.

Dimensões, eixos e fontes: na articulação desses elementos vamos construindo nossa resposta particular, explicitando uma concepção acerca da especificidade da licenciatura em História da FAFIC. A dimensão profissional da formação de professores de História integra, basicamente, o estágio e a prática (com seus respectivos sujeitos, saberes e práticas; integrando elementos curriculares da universidade, da escola e da docência).

Como se organiza o estágio no curso de licenciatura em História da FAFIC? O Estágio Curricular Supervisionado de Ensino organiza-se em quatro ações básicas: a prática de ensino, a iniciação à docência, o estágio escolar e o TCC. Como se define a prática nessa licenciatura? A Prática Como Componente Curricular se define como espaço de atividades onde são produzidas as ferramentas essenciais de que se utilizam os professores de história no exercício de sua profissão.

É nesse sentido que organizamos a seqüência de atividades denominadas de práticas pedagógicas, presentes ao longo de todo o curso: I – O ensino e o professor; II – O ensino de História e o professor de História; III – A produção de saberes na escola e na profissão; IV – A produção e a análise crítica de materiais didáticos; V – O local e o regional no trabalho do professor de História; VI, VII e VIII – Os três laboratórios de ensino de História, respectivamente, Antiga e Medieval, Moderna e Contemporânea e Brasil, América e África.

Fora dessa inserção, isto é, consideradas fora dessa dimensão ou desse núcleo profissional da licenciatura em História, as práticas não seriam muito mais do que meros recursos didáticos ou do que reflexões relativamente desconexas relativas ao ofício de professor, ora genericamente considerados (o professor em geral), ora particularmente tratados como professores de História ou como historiadores em atividades de ensino.